“A única liberdade que merece o nome, é a de buscar o nosso próprio bem à nossa própria maneira, contanto que não tente privar outros da deles, ou impedir seus esforços para obtê-la. Cada um é o guardião correto de sua própria saúde, seja física ou mental e espiritual. É muita mais vantajoso para a humanidade que cada um viva como parece bom para si, do que obrigando cada um a viver como parece bom para o resto.” (John Stuart Mill)
Stuart Mill foi um dos grandes defensores da liberdade individual dos cidadãos, com a ressalva de que a liberdade de um não interfira na liberdade de terceiros, os prejudicando diretamente.
A definição clássica de economia – lááá com Adam Smith – é a de que cada indivíduo buscando seu próprio benefício, acaba por criar benefício para toda a sociedade. O padeiro não abre uma padaria e faz o pão simplesmente porque ele quer gerar bem estar para todos que vivem na região. Ele o faz pelo lucro, mas o fato é que a sua atitude egoísta acaba por gerar sim um bem estar para todos.
O médico trabalha salvando vidas pensando em seu salário. Esse pensamento não muda em nada o resultado final da sua atividade que é salvar vidas. E por aí vai… Ou seja, pela teoria clássica, somos todos beneficiários da soma de cada motivação egoísta. Faça o bem a si e com isso, estará beneficiando indiretamente toda a sociedade.
No entanto, nem sempre isso é verdade.
Nos anos 50/60, Ronald Coase levantou a discussão sobre o que acontece realmente quando há ausência de mercado e direitos de propriedade bem definidos. Por exemplo, no caso de uma usina de tecidos que gera poluição num rio.
O fato dela produzir tecido cria um benefício social para todos que desejam comprar roupas. Mas a poluição no rio gera um malefício social, até então pouco mensurado porque nem a indústria nem a comunidade detêm a água que está sendo poluída e ninguém é prejudicado diretamente.
Um outro exemplo de externalidade é o de usuários de droga ou fumantes. Usar drogas ou fumar são decisões individuais, mas que geram externalidades negativas para toda a sociedade. Como o sistema de saúde é público, o alto custo do tratamento de doenças relacionadas ao uso de drogas e cigarros é repartido por toda a sociedade.
Arthur Pigou disse que a solução era tributar o gerador da externalidade. Que o poluidor pague por sua poluição. Esse “imposto” teria a intenção de que os custos totais da poluição fossem computados nas decisões da empresa, que só poluiria se os consumidores finais estivessem dispostos a pagar pelos danos.
Os Governos hoje usam essa ideia em impostos para reduzir as emissões de carbono.
Carros x Transporte Coletivo
As grandes cidades no mundo estão sofrendo com os engarrafamentos. No Brasil, o problema talvez seja um pouco maior que a média devido ao grande aumento de renda da classe C nos últimos anos e incentivos do Governo à industria automobilística com redução de IPI etc… subitamente as cidades atravancaram.
As prefeituras pedem que os habitantes usem o transporte coletivo ao mesmo tempo em que o Governo Federal os estimula a comprar mais carros e ainda subsidia a gasolina. Fica complicado optar pelo transporte coletivo assim.
O fato é que, todos nós temos o direito de nos locomovermos como bem entendermos. Se temos carro, por que não podemos usá-lo? Mas também é verdade que o individuo que usa seu carro na hora do Rush cria uma externalidade negativa compartilhada por todos – inclusive quem está dentro do ônibus: o trânsito.
Em Agosto de 2013, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, baseado numa pesquisa da FGV, mostrou que um aumento de R$ 0,50 no litro da gasolina pode gerar, quando na forma de imposto, uma redução de R$ 1,20 no preço das passagens de ônibus.
Esta ação teria 2 efeitos diretos: a) efeito Robin Hood (de distribuição de renda – tirar dos mais ricos e favorecer as classes menos abastadas) e b) redução dos engarrafamentos, via estímulo ao uso do transporte coletivo já que ficaria mais caro andar de carro e mais barato usar o ônibus.
Note que, ao contrário do rodízio de veículos, esta medida não afeta a liberdade de ninguém. A única coisa que faz é com que o gerador da externalidade (nesse caso, o transito) pague por ela.
Liberação das drogas x Violência
Aproveitando a onda dos temas polêmicos, um já até mais antigo, é sobre a legalização das drogas. Quem é o maior responsável pela força do tráfico de drogas: o usuário ou a própria proibição? Ao meu ver, igualmente ambos.
No entanto, o modelo atual é um em que toda a sociedade sofre consequências (altos custos de controle do tráfico e da violência) e sem nenhum retorno concreto, pois o usuário continua usando.
Muitos acabam se tornando usuários por desconhecimento, falta de informação ou de perspectiva de vida. E o Governo tem mto pouco controle sobre a reabilitação do usuário.
Se as drogas fossem legalizadas, ou ao menos as mais leves, e o Governo resolvesse taxar fortemente seu consumo, veja lá, o consumidor de drogas leves estaria financiando a criação de escolas, hospitais e segurança pública (ao invés de financiar o tráfico).
O imposto poderia ser usado no combate a violência, consumo de drogas pesadas e em publicidade contra o uso de drogas, alertando os cidadãos sobre seu uso.
É claro que esta análise é meramente uma análise econômica da situação. Existem outras questões morais e éticas que merecem ser debatidas. Minha intenção aqui não é essa, mas passar o conceito de externalidades e dar exemplos reais do nosso dia a dia.
Bem, comecei o artigo com Mill e sua defesa pela liberdade, pensamento o qual, particularmente, compartilho totalmente. O problema é sempre definir onde sua liberdade acaba por atingir terceiros ou não.
Uma apuração cada vez mais correta de externalidades e sua aplicação, ao fazer com que cada um arque com os prejuízos causados pela sua própria atitude, ao invés de socializar as perdas (como por exemplo cobrar impostos altos no consumo de cigarro) é certamente o caminho certo para ampliarmos as liberdades individuais.
No legítimo “Quer fazer, faça. Mas pague pelas suas consequências”.
A todos, um grande abraço!
¹ Tradução livre do trecho: “The only freedom which deserves the name, is that of pursuing our own good in our own way, so long as we do not attempt to deprive others of theirs, or impede their efforts to obtain it. Each is the proper guardian of his own health, whether bodily, or mental and spiritual. Mankind are greater gainer by suffering each other to live as seems good to themselves, than by compelling each to live as seems good to the rest.”