Henriquecer99999999999999999994

A discussão sobre cotas é uma discussão essencialmente econômica porque trata de desigualdade social. Minha intenção aqui é trazer os elementos que são pertinentes mas que infelizmente, na maior parte dos casos são debatidos apenas a nível acadêmico, fora do alcance da população em geral que usa o facebook, entre outros meios para expressar suas opiniões, em muitos casos, com argumentos fracos.

Vou tentar ser o máximo breve possível focando nas cotas voltadas para educação, em especial a questão racial, provavelmente a mais polêmica.

Em geral, temos no Brasil 3 tipos de cotas: raciais (vou usar o caso dos negros pela representatividade na população brasileira), sociais (pobres) e para alunos da rede pública de ensino (não necessariamente pobres e nem negros).

Cotas para pobres, não para negros

Não é unanimidade, mas grande parte das pessoas acha mais justo haver cotas para pobres do que cotas para negros (na verdade cotas raciais em geral).

Claro, porque nem todo negro é pobre e assumir isso já é em certa medida, preconceituoso, e as cotas devem ser para quem “precisa”, ou seja, os pobres. Mas a cota racial não passa por poder ou não pagar uma faculdade.

No pensamento econômico, a pobreza não é necessariamente uma condição imposta pela vida por falta de oportunidades. É também uma possibilidade de escolha própria.

Qualquer um de nós tem a liberdade de largar nossos empregos ou nossos negócios e decidirmos ser pobres. Ou podemos desde cedo decidir que não aceitamos trabalhar de 9 as 18h, ter chefe ou ter que estudar. Você provavelmente conhece alguém que não gostava de estudar, trabalhar etc… ser pobre muitas vezes é a condição mais provável dentro do meio em que você nasceu (como na favela por exemplo) mas pode ser também uma escolha de vida. E não há nada errado nisso, afinal, nem tudo é dinheiro.

Há quem escolha ser rico e quem escolha ser pobre. Embora no Brasil o fator mais determinante para o nível social seja em que família vc nasceu e não qual decisão vc tomou, há um grande histórico de famílias ricas que decaíram de nível social e famílias pobres que enriqueceram ao longo do tempo. Ninguém é rico ou pobre. Você está rico ou está pobre. Existe uma mobilidade social que não deve ser ignorada.

A desigualdade de riqueza deve ter uma função social. É natural que o maior esforço e eficiência sejam recompensados porque isto leva ao avanço da sociedade como um todo. Ou seja, nem todo pobre é coitado e nem todo rico é só um sortudo. Há uma variável de esforço-competência relevante (e não apenas o fator sorte). O maior problema não é a desigualdade social mas a desigualdade de oportunidades.

A história econômica brasileira se confunde com a história da escravidão. O cais do Valongo, no Rio, foi declarado pela Unesco como patrimônio da diáspora africana por ter recebido cerca de 1 milhão de escravos negros, o porto que mais recebeu escravos nas Américas.

Não estou dizendo que todos os brancos tiveram oportunidade iguais, mas a história do negro no Brasil é mais marcante: séculos de escravidão, e depois disso, preconceito. Existem negros ricos sim mas que tiveram que superar tudo isso. Existem brancos pobres mas a raça branca nunca foi escravizada no Brasil (ao menos não legalmente).

Pobreza não é crime, pode ser uma escolha, mas a escravidão é algo que todos devemos nos envergonhar. No fim, a cota racial busca consertar (ainda que seja muito pouco) uma questão histórica, não de desigualdade social atual mas de desigualdade histórica de oportunidades.

O negro não é diferente do branco, é a sua história que é diferente.

Os negros precisam de cotas porque são mais burros?

Não, mas são mais pobres e com menos acesso à educação de qualidade e como disse anteriormente, por uma questão histórica e não de escolha.

O Censo de 2010 apurou que, dos 16 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, 4,2 milhões são brancos e 11,5 milhões são pardos ou pretos (no Brasil 48% da população é branca e 52% não branca).

Em relação aos que estão empregados, as diferenças entre as raças também são claramente perceptíveis: em 2006, o rendimento médio mensal real dos homens brancos equivalia a R$ 1.164, valor 98,5% superior à conseguida pelos homens negros e pardos (R$ 586,26).

Se se esforçar, o negro pode ter o mesmo sucesso que um branco

Sim, mas os números acima mostram que é necessário se esforçar mais que um branco. E pior, o incentivo é ainda menor.

Um mecanismo capaz de perpetuar a desigualdade social é a discriminação no mercado de trabalho. Não, isto não tem nada a ver com o chefe não contratar alguém por não gostar de negros. Não é isso! Você pode até tratar negros e brancos de forma igual, mas é uma questão de informação assimétrica muito simples de se entender. Vamos supor que os empregadores saibam que determinados grupos sociais tem objetivamente menos chances de serem qualificados do que outros para ocupar cargos que exijam capital humano elevado.

Os empregadores decidem a contratação para um emprego qualificado com base em sinais imperfeitos, como o resultado de uma prova, uma entrevista ou um currículo. Como antecipam que determinados grupos tem, a priori, menos chances do que outros para deter o capital humano necessário, eles só selecionarão membros desses grupos se os resultados nesses testes forem excepcionalmente bons, o que significa que é exigido mais deles do que de outros grupos.

O resultado é que, uma vez que a probabilidade de serem contratados para um cargo qualificado é baixa, eles vão investir em capital humano com menos frequência que a média, já que não apenas as oportunidades de investir são menores, mas também a recompensa é menor, perpetuando a situação.

O negro pode ter o mesmo sucesso que um branco (e você deve ter na sua cabeça uma série de exemplos de negros de sucesso) mas é necessário um esforço maior. As cotas raciais agem aí, ao buscar reduzir a distância entre negros e brancos ao acesso a educação de qualidade.

A solução é educação de qualidade

Não há dúvidas de que as cotas não são a solução ideal. Seria melhor que todos os brasileiros tivessem acesso às mesmas oportunidades, ou ao menos mais parecidas e isto passa essencialmente pela educação.

Não sou contra o ensino privado não, de jeito nenhum, mas analisando apenas os fatos, com a universalização do ensino, escolas particulares tem que ter qualidade percebida superior às públicas. Isto é uma questão econômica básica: se não fosse assim, por que alguém racionalmente optaria por pagar por um serviço igual ou pior que o público gratuito? Como a escola privada é (e sempre será) melhor que a pública, a desigualdade de oportunidade já surge na infância, dependendo da escola em que a criança frequente.

Os esforços do Governo devem ser em ao menos diminuir a distância da qualidade da educação entre escolas públicas e privadas de forma a proporcionar aos indivíduos oportunidades mais parecidas.

Ensino não é sinônimo de educação

A discussão sobre educação também é muitas vezes tratada de forma superficial. Muita gente acha que o problema é resolvido apenas com investimento em construção de escolas, elaboração de materiais didáticos e professores de qualidade… mas a questão é muito mais ampla que isso.

Educação compreende não apenas ensino mas também o aprendizado. Não adianta colocar o Stephen Hawking para ensinar física a uma turma que não tem condições efetivas de absorver o que está sendo passado. É desperdício de dinheiro.

Existem estudos extensos que relacionam claramente o aprendizado com a condição social dos alunos. A mesma aula, com o mesmo professor, na mesma escola, gera efeitos diversos em alunos pobres e alunos ricos. Pode ser a auto estima, acesso distinto às informações, a menor qualificação dos pais no convívio em família, ou pode ser simplesmente porque é difícil entender a importância de estudar o seno quando não há o que comer em casa… podem ser muitas coisas. Como dizia minha mãe, quem faz a escola é o aluno. E no fundo é isso mesmo. A educação não vai mudar apenas porque a escola mudou, é preciso mais: é preciso mudar o aluno. Neste sentido, os programas assistencialistas são, mesmo que indiretamente, investimentos também em educação. Mais do que isso, o crescimento econômico, da renda, do emprego… tudo contribui.

Resumo

Eu entendo que o assunto “cotas” é um assunto polêmico, especialmente “cotas raciais”. Há muitos negros e pardos, e não apenas brancos, que não o consideram desejados. As cotas para negros também são incapazes de apagar a vergonha que foi a escravidão negra no Brasil. Não é uma solução definitiva e este artigo não vem advogar a seu favor. Ele traz, e esta é a intenção do “Henriquecer”, argumentos que enriqueçam o debate saudável. Para evitar que fiquemos em looping nas redes sociais compartilhando opiniões superficiais com frases de efeito que causam muito barulho, mas que não ajudam em nada a busca por um país melhor.

A todos um grande abraço!

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