“O dólar está alto” tem dito muita gente por aí, mas qual o critério para determinar se está caro ou barato? Qual seria o patamar em que o dólar não estaria nem caro e nem barato mas considerado justo?
A bem da verdade, num mercado de câmbio flexível em que a cotação é determinada pelo mercado, a melhor indicação de um câmbio justo é o que o mercado está disposto a pagar (e receber) por ele. Logo, em Outubro de 2015, é possível dizer que neste ponto, o dólar justo seria mesmo neste patamar de R$4,00. Esta cotação já inclui as expectativas para a política fiscal e monetária dos governos, na balança comercial, risco soberano, PIB, juros etc… tantas variáveis distintas que ao serem precificadas formam o valor de mercado do câmbio.
Mas, existe uma outra maneira de determinar a melhor relação entre o real e o dólar e que atualizo anualmente aqui: a taxa de câmbio real. Ela considera o poder de compra das 2 moedas, considerando a paridade em 1 de julho de 1994, quando teve inicio o Plano Real com 1 real valendo exatamente 1 dólar. De lá para cá, o real foi perdendo poder de compra, o que conhecemos como inflação. Nos EUA, também há inflação mas em todo o período muito menor que a brasileira. Logo, o real foi perdendo valor frente ao dólar. Então, a cotação justa por este ponto de vista não é um valor fixo. Muda a cada dia, e enquanto a inflação brasileira continuar maior que a norte americana, devemos esperar uma desvalorização do real frente ao dólar.
Atualizando a conta do câmbio justo, em setembro de 2015, um dólar deveria estar valendo R$3,14, mas no mercado fechou o mês a R$3,95, ou seja, 26% a mais que o seu valor justo.
Ao longo do tempo, alguns fatores extra inflacionários afetaram o valor do câmbio desde 1994 fazendo com que a cotação do dólar se descolasse bastante do valor justo medido pelo poder de compra das duas moedas. Abaixo, um breve histórico das diferentes fases e como elas afetaram o valor do real.
1ª Fase: O câmbio controlado (1994-1999)
Um dos principais alicerces para o Plano Real foi o câmbio. Para salvar o país da inflação, era preciso uma moeda forte que representasse uma reserva de valor. O Brasil não tinha uma moeda forte há anos. Uma maneira de transformar nossa moeda interna em uma moeda forte seria igualar sua cotação a alguma referencia. O dólar foi a referencia escolhida. Então, entre julho de 1994 e janeiro de 1999, o Governo controlava a cotação do dólar, tornando o real artificialmente forte. Apesar de muito custoso para o país, era o preço que estávamos pagando para controlar a inflação.
Neste período, a cotação oficial do dólar estava muito abaixo do seu valor justo. O real estava, portanto, muito valorizado.
2ª Fase: O ajuste pelas crises externas (1999-2002)
Os anos 90 foram marcados por fortes crises em países emergentes, como a crise do México na metade da década. Em 1997, a crise asiática afetou os tigres asiáticos desvalorizando suas moedas. A próxima vítima foi a Rússia, em 1998. Além do colapso do LTCM, o maior fundo do mundo na época. Tudo isso fez os investidores temerem qual seria a próxima furada. O câmbio fixo (ou semi fixo) no Brasil (e sobrevalorizado), nos tornava extremamente dependente do capital externo – que ficou escasso. O resultado foi um aumento das taxas de juros tão extremo que chegou a algo em torno de 50% a.a.. O Brasil aguentou por um tempo, mas em janeiro de 1999 teve que desvalorizar sua moeda trocando o risco de ter que aplicar um calote pelo risco inflacionário. A Argentina não conseguiu fazer o mesmo. Mais uma crise que o Brasil teve que enfrentar no período.
Nesta fase, o real perdeu valor de forma consistente, passando a valer menos do que seu valor justo.
3ª Fase: Risco Lula (2002-2003)
O risco de um ex operário socialista assumir o poder e confiscar o capital investido no país fez o dólar disparar no Brasil em 2002. A moeda chegou a ser cotada no patamar dos R$4,00 numa época em que seu valor justo era em torno de R$1,80 (Hoje o dólar tbm está a R$4,00 mas a diferença para o valor justo é bem menor).
Lula teve que assinar uma carta de intenções para acalmar o mercado e nomear para o bacen um nome de respeito como Henrique Meirelles. Foram 2 anos até que o mercado se convencesse de que Lula não era Fidel e que respeitaria o capital privado.
4ª Fase: Ciclo de Alta das Commodities (2004-2008)
A bem da verdade é que o ciclo de alta das Commodities durou mesmo até 2014 mas no pós 2008 existem ainda outros efeitos talvez até mais relevantes para a questão cambial.
O crescimento da China no período (e por que não dizer que dos EUA tbm?) estimulou uma alta no preço internacional das Commodities – minério de ferro, petróleo, soja etc… pode nomear… O Brasil (assim como Rússia, Venezuela entre outros) foi um dos grande beneficiários. Com toda esta riqueza por aqui, muito dólar entrou no país e com a grande oferta de dólar no país, o preço do dólar caiu (consequentemente o real se valorizou, lei da oferta e da demanda).
É bem verdade que o ciclo de alta das commodities se encaixa dentro de um contexto econômico brasileiro de respeito ao mercado. O medo anterior de Lula se tornou algo positivo para o país: se até um operário socialista respeitava o mercado, o Brasil seria então um lugar seguro para investir. No primeiro semestre de 2008, o país ganhou o investment grade, o selo de bom pagador.
Neste período, o real se valorizou de forma sistemática passando a valer mais que seu valor justo entre 2005 e 2006. Era a primeira vez que isso acontecia desde 1999, quando o câmbio passou a ser flutuante, ou seja, deixou de ser definido pelo Governo e passou a ser pelas forças do mercado.
5ª Fase: O Tsunami cambial (2008-2013)
Alegria de pobre dura pouco, dizem. Quando o Brasil estava caminhando ao seu auge, veio a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers em setembro de 2008 e aprofundou a crise financeira daquele ano. O dólar subiu rapidamente como acontece em período de crises. Mas contrariando o tal ditado, a alegria maior ainda estaria por vir. A partir do segundo semestre de 2009, a economia brasileira parecia completamente recuperada da crise do ano anterior. Era o Brazil Takes Off! A política anticíclica aplicada pelo Governo estava trazendo resultados e a economia brasileira passou a crescer com força, chegando a 7,5% de crescimento em 2010. O preço das commodities também se recuperou pressionando o real para cima.
Paralelamente, os países desenvolvidos, em crise, zeraram suas taxas de juros e jorraram moeda na economia, num esforço de voltarem a crescer. Em outras palavras, os EUA e a Europa artificialmente desvalorizaram suas moedas. O real ganhou tanta força chegando a cotação de aprox. R$1.50 quando seu valor justo era de R$2,56!! Nesta época, com o real sobrevalorizado, tudo no Brasil era muito mais caro do que no restante do mundo ao mesmo tempo em que teve inicio uma farra de brasileiros viajando para fora do Brasil. Todos (ou quase todos) voltavam maravilhados contando o quanto tudo era barato em seu destino fosse ele EUA, Canadá, Chile, Argentina e até a cara Europa.
Mas a indústria começou a sentir o peso de uma moeda forte, perdendo competitividade. O real estava valendo muito. Estávamos ricos e ainda reclamávamos (dos custos altos de se morar aqui).
6ª Fase: O fim do ciclo das commodities (2013-atual)
Bem, se um operário semi analfabeto foi capaz de respeitar os mercados, o que se dirá de uma economista, certo? Errado. O Governo Dilma foi marcado por forte intervenções na economia que geraram incertezas. Investir no Brasil se tornou mais arriscado e o capital aos poucos foi indo embora.
Paralelamente, a recuperação dos países desenvolvidos fez com que eles pudessem diminuir a pressão para desvalorizar suas moedas. O dólar subiu de valor não só frente ao real mas sobre grande parte das moedas no mundo. A pergunta passou a ser quando subiriam as taxas de juros nos EUA, o que tornaria o dólar ainda mais forte.
A crise política e econômica gerada pela má gestão do Governo Dilma coincidiu com o fim do ciclo de alta das commodities – o preço das commodities na verdade, despencou. Estava formada a “tempestade perfeita”.
O real começou a se desvalorizar em 2013, mas a partir do fim do ano de 2014, o movimento se acelerou. Como que da noite para o dia, o dólar praticamente dobrou de valor. E depois de praticamente 10 anos cotado abaixo do valor justo, o dólar passou a supervalorizado.
Abaixo, o gráfico da evolução da taxa de câmbio justo (tx real) e da taxa de mercado (tx oficial).
Em 2013 foi a primeira vez que comecei a fazer esta conta. Em meio aos brasileiros que reclamavam dos preços altos aqui, tentava mostrar que era um efeito cambial. Um dia o real se desvalorizaria e tudo aqui ficaria mais barato. Muita coisa aconteceu, inclusive o que eu esperava (talvez não na velocidade e na forma em que eu esperava).
A todos, um abraço!