Henriquecer999999999999999999999993

Há alguns anos, entrei numa estação de metrô em Estocolmo, a tão civilizada capital da tão primeiro-mundista Suécia, e notei que havia entre muitas catracas comuns uma de passagem livre. Questionei a vendedora de bilhetes o porquê daquela catraca permanentemente liberada, sem nenhum segurança por perto, e ela me explicou que era destinada às pessoas que por qualquer motivo não tivessem dinheiro para a passagem. Minha mente incrédula e cheia de jeitinhos brasileiros não conteve a pergunta óbvia (para nós!): e se a pessoa tiver dinheiro mas simplesmente quiser burlar a lei?

Aqueles olhos suecos e azuis se espremeram num sorriso de pureza constrangedora – Mas por que ela faria isso?, me perguntou. Não lhe respondi. Comprei o bilhete, passei pela catraca e atrás de mim uma multidão que também havia pago por seus bilhetes. A catraca livre continuava vazia, tão vazia quanto minha alma brasileira – e envergonhada.

(Decio Tadeu Orlandi)

O político aceita o suborno porque é assim que funciona o sistema. Se ele não levar, outro vai. O empresário paga a propina porque se não pagar, não leva o contrato. O adulto vai ao cinema e burla sua carteirinha de estudante, porque o preço do ingresso é caro demais e já pressupõe que você está pagando uma inteira. O empreendedor não declara todos seus rendimentos com o argumento de que a carga tributária é alta demais.

O que importa é arrumar uma boa justificativa. Olho por olho e o Brasil está cego. Não é de hoje. É uma herança antiga que precisa de uma ruptura. Errar é humano mas tornar o erro num hábito é promíscuo. É exatamente onde estamos hoje. Grandes corrupções, pequenas corrupções… Somos corruptos porque muitos políticos são corruptos e eles deveriam os exemplos? Ou o contrário: eles são apenas os frutos, eleitos no meio de uma sociedade corrompida? Não eram eles membros da mesma sociedade que nós? Frequentaram as mesmas escolas, os mesmos shoppings? Aliás, não somos nós que votamos neles? Independente de qual seja a resposta mais correta, a verdade é que no Brasil falhamos como um todo.

Ao meu ver, a raiz do mal está logo na infância. Em nossas escolas, incluo até as melhores privadas, não educamos as crianças. Ensinamos geometria, gramática, história, literatura… ok! mas falhamos no que mais importa: criar um cidadão. Gastamos bilhões em ensino todo ano. Pedimos escolas melhores, com mais infraestrutura e maiores investimentos, mas estamos perdendo o essencial. É preciso educação: ensinar a dizer “bom dia”, “boa tarde”, “obrigado”, “por favor” e por aí vai. O meu favorito é a cola – totalmente aceita pela sociedade. Até por alguns professores. As vezes incentivadas pelos pais. “Quem não cola não sai da escola” diz o ditado. E as crianças que deveriam estar aprendendo valores são estimuladas a mentir, a roubar, a “levar vantagem”.

Sou economista mas confesso que usei muito mais meus valores na minha vida do que meus conhecimentos sobre seno ou cosseno. E ensinar valores, meus amigos, não requer infraestrutura sofisticada e nem altos investimentos. Basta que tenhamos todos consciência do que mais importa.

São “só crianças” argumentam uns. Mas todo adulto um dia foi uma criança. Toda criança deve ser educada. Dá trabalho, as vezes dá pena, aliás, dá muito trabalho, muito mesmo… é mais difícil educar do que fingir que não viu, mais difícil que arrumar uma justificativa pelo mau comportamento, e definitivamente muito mais difícil que somente deixar passar sob o argumento de que é “só uma criança”.

No fim nos pegamos usando expressões passivas como “isto nunca daria certo no Brasil” para rotinas comuns no cotidiano de outras sociedades. Muito cômodo mas não podemos achar que é normal. Simplesmente porque não é.

Mas há esperança. Ela vive na atitude de cada um de nós.

Riko Assumpção

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…e se inspire!

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