No fim do ano, a Receita Federal divulgou as regras pro recolhimento da contribuição previdenciária no caso de trabalho intermitente mantendo a contribuição mínima de R$ 187,40. Na prática, noticiaram os jornais, pode ocorrer que o trabalhador tenha que pagar à previdência mais do que irá receber no fim do mês.
De cara, queria começar dizendo que sou extremamente a favor do trabalho intermitente, a modalidade em que não há um contrato de engajamento mínimo de horas entre empregado e empregador. Ou seja, o empregador pode te chamar para trabalhar ou não e vai lhe pagar pelo tempo que você de fato trabalhou.
No início deste ano, assim que as aulas do meu mestrado terminaram, fui com uns amigos fazer faxina numa loja em Montpellier, aqui na França. Saí de casa sem saber ao certo quantas horas eu iria trabalhar e recebi por cada hora que passei lavando vidros, armarios, chão, móveis etc.
Já tinha trabalhado nos EUA do mesmo modo em empregos diversos, desde garçom, vendedor em loja de esportes, guardador de malas a caixa de mercadinho. E por aí vai…
É assim que se aprende a torcer para trabalhar, dar graças a Deus por terem te chamado e ficar chateado por ser mandado para casa devido a um movimento fraco.
Parece uma realidade bem diferente do que é muito comum no Brasil, onde o cara já acorda puto de ter que ir trabalhar e passa o resto do dia querendo voltar correndo para a casa.
No Brasil, a relação entre o esforço do trabalho e sua recompensa, o salário, nem sempre é evidente, o que cria um efeito bizarro onde o trabalhador acaba achando que seu salário é uma espécie de mesada para viver (e manter seu padrão de vida) sem relação direta com as horas trabalhadas e nem com sua produção.
Mas a reforma trabalhista – que demorou 70 anos para acontecer – finalmente veio consertar essa distorção.
Além de dar legalidade a uma prática que já ocorre informalmente em diversos serviços como os de pedreiro, entregador, diarista etc, a modalidade traz mais transparência ao valor do trabalho e do dinheiro.
Time is money, diz o ditado e essa modalidade deixa isso claro como foi para um dos amigos que foram comigo à Montpellier. Na época, recém chegado por aqui, no trem de volta para a casa, comentou: “cara, nem pensar em pagar isso num lanche, é o valor de quase uma hora de trabalho!”
Tenho certeza que quem já trabalhou bastante tempo ganhando por hora, pensa assim.
Tempo é dinheiro. Esse é, inclusive, um dos motivos mais revoltantes em relação à corrupção. O cara não está roubando “só” seu dinheiro, mas seu tempo!! O tempo em que você está no trabalho produzindo, longe da sua família, de pessoas que você ama… algumas delas que irão partir…. e você mesmo irá partir um dia, a vida passa e o tempo não volta… assunto para outro artigo.
Enfim, agora com o trabalho intermitente legal no Brasil, o problema é com o INSS. Ainda que seja bizarro ter que “pagar” para trabalhar, o fato é que você estará contribuindo para a sua aposentadoria, ou seja, um dinheiro que voltará para você no futuro. Basta apenas dizer que, até hoje, o trabalhador intermitente já existia no Brasil mas era obrigatoriamente informal e não estava coberto pelo INSS.
Não contribuía para a sua aposentadoria futura.
Se estivesse doente, não receberia nos dias que não trabalhasse.
Você tem uma diarista? Você é um/uma diarista? Então sabe do que eu to falando. Amigo, não trabalha, não ganha!
Com a cobertura do INSS, isso muda.
Ainda assim, vamos lá, mesmo que esteja melhor, isso não me impede de achar bizarro a possibilidade de um trabalhador ter que contribuir para a previdência com mais do que irá ganhar no fim do mês. E afinal, esse dinheiro “a mais” vem de onde se não de seu salário? E pra piorar, ele terá que recolher ele próprio, além do empregador já ter que pagar uma parte. Burocracia!
A origem de tudo isso? A previdência. Um dos itens mais bizarros das regras atuais da previdência é o piso do salário mínimo nas aposentadorias. E isso nao é previsto para mudar.
Você sabe que um dos grandes motivos de não podermos aumentar o salário mínimo no Brasil? Porque isto simplesmente explodiria o país!!! Destruiria a previdência, que já não vai lá tão bem.
Toda vez que ocorre um aumento no salário mínimo, este aumento é refletido também nos pensionistas do INSS. E 70% do total de pensionistas recebem o salário mínimo. É um efeito cascata… Aí, para poder pagar o salário mínimo ao aposentado, como não existe almoço grátis, o Governo exige que, para você possa se aposentar, contribua ao INSS por pelo menos 15 anos. E esse prazo aumenta para 25 anos na nova proposta. Ou seja, se contribuir por 24 anos, você pagou mas não tem direito.
Poderia ser tudo muito mais simples. Muito mais!
Imagina se todos, homens, mulheres, pobres, ricos, todos contribuíssem com uma alíquota única, os tais 11%. Sem alíquotas diferenciadas, afinal, INSS não é imposto de renda.
Que a idade mínima para se aposentar fosse os 65 anos de idade para todos.
Que sua pensão fosse equivalente a 2,5% do seu salário médio TOTAL por ano de contribuição. Corrigido pela inflação, claro.
Que o tempo mínimo de contribuição fosse de apenas 1 mês. Contribuiu, tem direito. Proporcional ao que contribuiu, claro!
Que não houvesse o piso do salário mínimo. O trabalhador que não atingisse o mínimo mensal pela conta acima até os 70 anos, se aposentaria a partir de então com os valores proporcionais ao que contribuiu e com direito a uma ajuda de custos para complementar sua renda. Nada de um salario minimo! Nada de premio para quem contribuiu menos, nada de distorçoes. Uma renda universal para o idoso. Isso nao é novo, ja existe em forma do LOAS, mas é caro e injusto.
Esta “bolsa-idoso” seria nos moldes do que é o bolsa família e contabilizado como tal: GASTO ASSISTENCIALISTA e não previdenciário.
Acha esquisito? Pois é baseado em como é atualmente, só que muito mais simples, justo e direto.
O trabalhador que foi intermitente a vida inteira contribuiria com 11% dos seus ganhos. Ponto. Aos 65 anos, ele não irá se aposentar. Chato, né? Um pouco, mas vamos lá que se isso ocorrer, é porque ele não trabalhava todas as horas regulares durante sua vida. Pode contribuir mais 5 aninhos.
Aos 70, vai receber o proporcional ao que contribuiu para viver, além de uma bolsa que lhe permita sobreviver.
Com o trabalho intermitente agora formal no Brasil, estamos próximos a entender que o que a gente recebe de salário no fim do mês está ligado ao que a gente trabalhou.
Não seria nada mal aproveitarmos para entender também que o que a gente recebe de aposentadoria no fim da vida está ligado ao que a gente contribuiu durante toda ela.
A todos, um grande abraço!!
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