Vou viajar, mas não vou comprar dólar agora. Vou esperar cair um pouco.
Quem nunca ouviu isso? De um economista, um CFA? Provavelmente sim. De um padeiro, motoboy, professor, médico, advogado, engenheiro muito provavelmente também. Como sabemos que o dólar vai cair? Não sabemos. Em relação a qualquer ativo que se possa imaginar, simplesmente não temos como saber ao certo.
Jordan Belfort, logo no primeiro capítulo do livro ‘O Lobo de Wall Street’ relata um diálogo com seu primeiro chefe :
“a primeira regra de Wall Street: ninguém – e não me importa se você é Warren Buffet ou Jimmy Buffet – ninguém sabe se uma ação vai subir, vai cair ou andar de lado, muito menos um corretor de ações.” (Mark Hanna, O Lobo de Wall Street)
Se um corretor mobiliário de Wall Street não sabe para onde andará um ativo, o que dirá um cidadão comum… o que nos leva então a esperar o dólar cair, o preço de uma ação cair, ou uma bolha imobiliária estourar para comprarmos? Isto nos leva: o sentimento de que estamos levando vantagem. Até mesmo quando não estamos levando nenhuma.
O dólar estava a R$1,80 e de repente subiu a R$1,90. O cara A compra e pensa “Não tive sorte, comprei logo na alta.”
Enquanto isso, o cara B quando vê o dólar a R$1,90 pensa “não vou comprar agora, vou esperar baixar.” 6 meses depois, o dólar bate R$2,40 e volta a R$2,25. Aí sim, ele compra e desta vez o pensamento é “Ainda bem que esperei para comprar. Sabia que iria cair”.
É doido mas acontece a todo momento. Esse comportamento é explicado pelo nosso preço de referência. Nossos cérebros armazenam memórias recentes e associam aos bens um valor em moeda baseado numa espécie de média dos últimos tempos. É uma peça que a nossa mente nos prega.
Hoje, por exemplo, com o dólar por volta de R$2,35, tem muita gente que acha que ele está alto. Por que? Porque há um ano ele estava a R$2,00, só por isso. Mas e se lembrarmos que em 2002 ele estava a R$3,60? Bem, agora parece que os R$2,35 nem estão mais tão altos assim, não é verdade?
Quando em 2005 o dólar começou a cair, muita gente achou que R$2,35 estava muito barato e que ele voltaria a subir… mas ele ainda chegaria a quase R$1,50 alguns anos depois.
O mesmo acontece com as ações. Há um preço de referência que existe apenas na nossa mente. Uma ação que gira durante um tempo a R$30, quando chega a R$20 parece barata. Mas uma noticia nova pode ter mudado todo o cenário desta empresa no futuro e ela pode já valer bem menos que isso (quem já teve ação de empresa X sabe do que estou falando).
Dei o exemplo do câmbio porque acho que ele faz parte do nosso dia a dia. O cara que comprou a R$1,90 se sentiu prejudicado. O que comprou a R$2,25 se sentiu esperto. Mas foi o primeiro quem se deu melhor. No fim, o que realmente importa não é se você comprou na alta ou na baixa, mas o quanto você pagou.
É o que vemos hoje em relação a tal bolha imobiliária que está para estourar no Brasil há pelo menos 7 anos. Conheço gente que diz que está esperando para comprar seu imóvel próprio quando a bolha estourar. Muitos acham que há uma bolha porque simplesmente comparam os preços de hoje aos preços do passado. Este é o preço de referência deles. Se daqui a mais 7 anos uma bolha estourar e os preços caírem mais de 20%, eles vão se dizer certos. Mas no fundo, terão perdido uma grande oportunidade dado que os preços ainda estarão muito acima do que estavam em 2007 por exemplo.
A ARMADILHA DO PREÇO DE REFERÊNCIA NÃO SE APLICA APENAS AOS INVESTIMENTOS
O que explica o 011-1406? Um monte de coisas que você não precisa e sente vontade de comprar porque sempre lhe parece vantajoso. O mesmo em relação aos sites de compra coletivas. As vezes vale muito a pena, é verdade. Mas muitas vezes, por mais que possa valer a pena, isso não significa que valerá a pena para você.
Uma gaita de fole pode estar sendo vendida pela metade do preço. Se você não souber tocar (e nem tiver interesse em aprender), comprar a qualquer preço não parece muito sensato. Por mais que o preço esteja atrativo! As pessoas assimilam o desconto como um dinheiro ganho, mas isso só é verdadeiro se você realmente tem planos de comprar o bem.
Infelizmente, este vício comportamental se aplica a quase tudo. Há uma sensação de euforia ao comprar algo por um preço abaixo do “preço de referência”. Mas quem disse que o preço de referência é o certo? Quem disse que o valor justo do dólar era R$2,00 ou o preço certo dos imóveis eram os praticados em 2004?
Para não cairmos nessas armadilhas, temos que entender a diferença entre preço e valor. O preço é apenas a expressão monetária do bem num determinado tempo. O valor, é intrínseco. Ele tem fundamentos justificáveis. Cabe a nós nos desvencilharmos dessas amarras dos preços de referência para conseguirmos enxergar com clareza o verdadeiro valor dos ativos.
A ação de uma empresa não está barata simplesmente porque seu preço caiu de R$30 para R$20. Temos que nos fazer as perguntas certas. Qual a relação entre o lucro por ação e o preço da ação (conhecido como P/L ou P/E)? Essa relação é boa se comparada à taxa de juros do mercado? Qual é o futuro desta empresa?
E o imóvel não pode ser considerado caro só porque seu preço subiu 30% em 2 anos. O que aconteceu nos últimos 2 anos? Os juros caíram, o crédito aumentou, o desemprego caiu? Qual futuro você para a região onde este imóvel está?
O mesmo em relação ao dólar e os itens em promoção. Liberte-se da hipnose do preço de referência e procure o verdadeiro valor das coisas. Na vida pessoal, nos investimentos, em tudo. Esta é a pílula vermelha. Certamente foi ela que Warren Buffet escolheu em determinado momento em sua vida.
Conhece-te a ti mesmo.
Abraços!
Riko Assumpção
– Da série classicos, artigo publicado originalmente em Mar/14 –