
Região de Biarritz, País Basco, França
14 de junho de 2017
Na Pali – o nome de uma ilha havaiana era também o nome do edifício que serve de Sede da Quiksilver na cidade de Saint-Jean-de-Luz no sudoeste da França.
Pranchas de surf e snowboards nas paredes e nos tetos decoram o prédio que é feito todo de madeira, quase escondido por uma floresta de pinheiros. O arquiteto que projetou esse prédio recebeu um prêmio de melhor edifício da Europa por ele.
Ele foi projetado para criar o ambiente que remeta a o que simboliza a QuikSilver.
Oficialmente, a sede da Quiksilver fica em Huntington Beach, na California. Mas na pratica, o Sudoeste da França é o centro mundial de decisões da empresa. O CEO esta baseado ali. O CFO, idem. Ambos franceses. 2 dos três Executivos de marcas também estão baseados ali: um holandês se ocupa da marca Quiksilver, e uma francesa da Roxy. Na California, fica a sede da menor entre as 3 marcas, mas que é muito presente nos EUA: a DC Shoes.
Naquele momento, a empresa estava passando por uma restruturação e as coisas começavam a voltar aos eixos. As operações na Europa sempre foram rentaveis, mas nos EUA a Quiksilver tinha acabado se sair da “recuperação judicial”, mais precisamente do Chapter Eleven.
Era uma vida nova para a Quiksilver que passaria a se chamar naquele ano Boardriders. A ideia era transforma-la numa empresa “board sport” ou em francês “sport de glisse”… (não sei porque em português não temos uma palavra para isso. Ou temos?). Então a Quiksilver se concentraria no Surfe Masculino, a Roxy no surfe feminino e a DC em Skate, mas cada vez mais tbm no Snowboard (Quiksilver e Roxy tbm faziam ski e snowboard e passariam a fazer cada vez menos a fim de evitar a canibalização da DC).
A Quiksilver era a maior marca. A Roxy era a mais arrumadinha e organizada. A DC era uma bagunça.
Os EUA correspondiam a 1/3 das operações, o pais que catapultou o marca para o resto do mundo. A segunda região com o maior numero de vendas era a França, 12% do total, seguida pela Australia com 7%. Esses três paises eram a base estrutural da agora Boardriders e as capitais das operações Américas, Europa e Asia/Pacifico. E o que estes ” paises têm em comum? Ora, economia forte, praias com boas ondas e altas montanhas de neve.
Eu estava no meio do meu contrato de trainee de 6 meses, requisito para a conclusão do meu MBA.
E tudo parecia um sonho!
Trabalhar na Quiksilver e a qualidade de vida no País Basco francês eram inimagináveis! O trabalho ficava a apenas 5 minutos de carro da minha casa. Isso para quem morava no Recreio e trabalhava na Zona Sul era uma baita mudança!
A jornada era de 9h30 da manhã às 18h, em uma semana de trabalho de 35 horas com uma hora e meia de intervalo para o almoço.
Nessa 1h30 todo mundo reservava um tempo para praticar algum tipo de esporte.
Algumas pessoas corriam (tinha uma pista de corrida na região), outras nadavam (tinha tbm piscinas publicas não mto longe dali), andavam de skate (uma pista de skate bem em frente a sede), jogavam futebol (uma quadrinha de sintético dentro da empresa) ou se as ondas estivessem boas, a maioria pegava suas pranchas e simplesmente atravessava a rua para surfar em Lafitenia, praia com ums das melhores ondas da região. Bem em frente a sede da empresa.
Neste dia especificamente houve uma festa à noite para apresentar a nova coleção. Os modelos desfilavam dentro da Agora (se pronuncia Agorrah), o grande salão central que ligava os diversos prédios da sede.
Tinha um telão dentro da Agora que estava passando ao vivo o campeonato de surf de Fiji, onde Matt Wilkinson e Connor O’Leary estavam cara a cara em uma das melhores ondas do planeta, e eu estava lá fora naquela noite quente de junho no sudoeste da França, ouvindo o Tom Curren que estava ao lado da filha dele cantando e tocando uma surf music no seu violão.
Para quem não lembra, Curren é um americano tricampeão mundial, uma espécie de “Kelly Slater” do final dos anos 80 – que escolher morar ali no Sudoeste da França, mais precisamente em Hossegor, onde ocorre todos os anos a etapa francesa do WSL.
Tenho todos os detalhes daquela noite frescos na minha memória, desde o cheiro das flores do final da primavera, o som da música que Curren tocava ao gosto da caipirinha que eu estava bebendo.
E lembro da sensação daquela noite de que “eu tinha conseguido porra!” O que poderia ser melhor do que tudo aquilo que estava acontecendo na minha vida? (Eh claro que a caipirinha ajudou – inclusive, minha chefe vinha de tempo em tempo checar se td estava sob o controle comigo, pq afinal a ultima coisa que se quer é que seu trainee pague mico na frente de todo mundo na festa da empresa)
Mas então, enquanto eu torcia o copo da minha caipirinha para ver se saia mais, um pensamento me atingiu ali pela primeira vez: E agora? Qual o proximo passo?
A vida não acabou, e eu tinha dentro de mim a necessidade de realizar algo maior. Eu encontrei a experiência de vida que estava buscando!
Mas e agora? Eu não tinha uma resposta clara para esse “e agora?”. Então, eu fiquei confuso porque, honestamente, o que há de errado em morar perto de belas praias, ter tempo para surfar todos os dias e ter certeza de que nada de errado nunca aconteceria com seus filhos? Não havia nada de errado nisso. Mas, nas semanas que se seguiram, esse pensamento foi ficando cada vez mais profundo.
Apenas para contextualizar o momento: Eu, minha esposa, Alice, e nossa filha mais velha, Anna, nos mudamos para a França um pouco menos de um ano antes disso.
Quando chegamos à França para meu MBA, Alice descobriu que estava grávida. Estávamos morando na cidade bonita e casual mas ao mesmo tempo chique que é Bordeaux, cidade natal dos melhores vinhos do mundo.
Embora eu estivesse bem focado nos estudos, tínhamos tempo para ficar juntos, algo que nunca tivemos antes de nos mudarmos para a França. Esse período foi uma virada de jogo em minha vida. Nossos planos originais eram voltar para o Brasil quando eu terminasse meu MBA, mas não queríamos.
A gente estava gostando tanto da nossa vida na França que decidimos tentar ficar e dar uma chance.
Foi um momento de profunda reflexão para mim (e certamente para a Alice tbm).
Foi uma grande mudança. Eu precisava decidir o que queria para minha vida, para ter certeza de que a decisão que tomaríamos estaria na direção certa.
Esta foi a primeira vez que senti a necessidade de planejar a minha vida dali para frente.
Eu estava acostumado com o planejamento financeiro. E uma coisa liga a outra naturalmente. Para planejar sua vida financeira, você tem que planejar todo o entorno: para saber o quanto vai ganhar, você tem que imaginar onde você vai estar trabalhando. Para prever o quanto serão seus gastos, tem que visualizar seu estilo de vida. Para tudo isso, a cidade onde mora, o pais, a casa onde vai morar, seus hobbies, tudo isso vai junto.
Eu não tinha isso claro desde o inicio. Durante todo o tempo, soh o que eu queria era planejar as minhas finanças.
Comecei como estagiario na area de Controladoria numa empresa de seguros em 2007 e pensei: “de repente esta historia de Planejamento Financeiro pode servir para minha vida. Se serve na da empresa a ponto deles investirem alto para manter todo um departamento, por que não serviria na minha vida?”.
No inicio era o orçamento de um mês, todo mês faria o orçamento daquele mês apenas. Depois aumentei para 3 meses e continuei assim durante um bom tempo. Apenas no inicio de 2011 que realizei pela primeira vez um orçamento de um ano inteiro. E deu certo!
Então, antes de ir para a França, junto com a Alice nos realizamos um Planejamento Financeiro detalhado de o quanto nos gastariamos por mês durante o periodo do MBA. O aluguel que a gente pagava? Era exatamente o que estava no orçamento. Os gastos com o mercado? Idem. Tudo saiu como planejado. Estava tudo sob controle.
Aquilo tudo tinha um ar de magica na minha cabeça. E o recado claro era de que quem sabe onde quer ir, chega ao seu destino. Basta desenhar o trajeto e seguir passo a passo na boa direção.
Então era isso que tentava passar nos meus artigos sobre Planejamento Financeiro que escrevia no meu blog o Henriquecer.com . E foi assim que descobri que a maior parte dos problemas financeiros das pessoas têm a ver com o Planejamento. E é dificil fazer as pessoas planejarem porque muitas delas não conseguem ver o objetivo pratico daquilo ali.
Para algumas pessoas, a vida é resultado de uma grande combinação entre sorte e acaso. E neste caso, planejar seria tentar adivinhar como sera sua vida sendo que diversos fatores não estão nas suas mãos.
E não é que estas pessoas estejam erradas porque eu particularmente acredito que independente de como você interpreta o quanto a sua vida depende de você e das suas decisões, você vai estar sempre certo.
Se você acha que seu papel é de mero coadjuvante na vida, você estara certo. Se você acha que apesar de tudo, sua vida depende de você mais do que de qualquer outra pessoa, você tbm vai estar certo.
Porque é claro que em ultima instância, ninguém vai negar que existe uma importância no papel que a gente têm na vida, e tbm de fatores externos. Mas o peso que você da a cada um desses 2 items, simplesmente muda tudo.
Eu acho que uma analogia para a vida pode ser como se você estivesse boiando em alto mar, a deriva. Em volta tem o litoral e diversas praias diferentes. Tem o mar, suas correntes e tem você.
Se você acha que nada daquilo esta no seu controle, você vai continuar soh boiando torcendo para que um dia a maré sozinha, por sorte te leve a algum lugar. Inconscientemente, muita gente decide encarar a vida dessa maneira.
Uma outra opção pode ser se dizer: espera tem algo que eu posso fazer nisso tudo. E se eu começar a nadar até chegar numa daquelas praias ali? Talvez essa seja uma boa opção. A maré ainda vai ter um papel importante nisso tudo, mas suas chances de chegar no litoral vão aumentar consideravelmente. Eh uma ideia muito mais eficaz.
Mas ai você vai encarar algumas armadilhas no caminho. Armadilhas que todo bom planejador encara quando ha um plano. O primeiro é potencializar suas chances, ou seja, não nadar contra a maré, mas a seu favor. E toda essa discussão sobre produtividade é isso. Como potencializar seus esforços de modo que o menor nivel de energia gasta possa te proporcionar os melhores resultados?
As vezes você simplesmente não tera escolha. Se a maré não for nunca favoravel, você não tem opção: vai contra mesmo.
Um outro problema é: você vai nadar em qual direção? E esse é um problema comum na vida, porque na maior parte dos casos, você decide chegar a uma praia especifica. E você começa a nadar, e ai, num determinado momento, começa a ficar mais dificil, a maré vira e agora ela parece estar contra você. Aih, você olha em volta e agora parece que seu plano não deu certo, e que as outras praias teriam sido opções melhores. Então, você decide voltar tudo e recomeçar do inicio. O processo recomeça e no inicio parece tudo bem… até que as condições mudam de novo.
E o resultado não é bonito porque você nada, nada e a sensação é a de que você nunca sai do lugar. Você esta confuso e agora você corre um sério risco de desistir e decidir simplesmente voltar a boiar.
Sem um objetivo claro, a gente fica a deriva. Sêneca dizia que “se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe sera favoravel”.
Acho que o Sêneca tbm via a vida como esse oceano.
E voltando aos meus dias em Biarritz, o baque do “what’s next?” foi exatamente causado por eu entender ja naquele momento que planos bem executados se realizam!
E ai vem o peso da responsabilidade nossa com a gente mesmo.
Então, eu queria fazer um plano de vida. Não seria o que eu “queria” fazer na vida, mas o que eu decidiria fazer. Nem sempre são a mesma coisa.
Durante 2 semanas eu pensava nisso sem parar. Por onde começar? O que fazer? Como estruturar etapa a etapa? Algumas coisas eram exclusivas, então eu tinha que escolher um caminho. E mais, como saber que eu iria na boa direção?
Então, um dia eu estava tomando uma cerveja sozinho despois do trabalho num kioske em frente a praia de Cenitz e pensando em tudo isso. Eu então olhei para uma marca de queimadura de tomada que ganhei aos meus 2 anos de idade no meu dedo indicador direito e pensei, “bem, não é que gente seja incapaz de prevêr o futuro. Eh que existe apenas um limite nisso. Mas é possivel prever. Hoje em dia, eu ja aprendi que se eu enfiar o dedo na tomada, eu consigo prever o choque que eu vou levar. Aos 2 anos de idade eu não sabia disso.”
Olhar para tras, pode ser uma excelente maneira de começar a projetar o futuro.
Então, naquele final de semana eu não ia voltar para Bordeaux. Eu ia visitar meu amigo Johnny que estava morando perto dali, soh que no lado espanhol dos Paises Bascos, em Bilbao.
Eu passei então todos esses dias e o trajeto Biarritz-Bilbao e depois Bilbao-Biarritz numa espécie de volta ao tempo pensando todas as minhas decisões de vida desde novo. Se realmente voltasse no tempo, o que eu faria de diferente?
E não é um jogo de arrependimento. Isso é outra coisa! Eh muito mais um Retorno sobre a Experiência. Hoje, sabendo o que sei – o que teria feito de diferente? Pq se depois de tantos anos, eu não aprendi nada, não teria aperfeiçoado absolutamente nada e continuo sendo a mesma pessoa. Ao meu ver, isso seria lamentavel pq todos nos concordamos que ninguém nasce sabendo, e se a gente além disso ainda passar a vida sem aprender. Convenhamos, a gente não vai muito longe né?
Desse mergulho no tempo eu aprendi muito sobre eu mesmo e o tipo de decisões que eu me orgulhava ter tomado, as que eu teria mudado. E a maior parte dessas que eu mudariam estavam ligadas a escolhas puramente do curto-prazo.
Enfim, depois disso eu comecei a desenhar meu futuro, como o roteiro de um filme. Uma biografia do que ainda estaria por vir.
Discute com a Alice para alinharmos nosso futuro. E tudo foi se encaixando no lugar. A confiança voltou.
Decidimos então que Biarritz se encerraria por ali, que o foco naquele momento seria nas nossas carreiras profissionais e que grandes centros econômicos como Londres e Paris seriam mais indicados para o que estavamos buscando.
Tudo teria seu lugar, de uma forma organizada.
Então, era hora de começar a executar o plano.
Bom dizer que continuo até hoje ajustando de forma a encaixar tudo no lugar certo e incorporando “as mudanças de maré” para usa-la sempre ao nosso favor.
Mas a direção esta bem definida.
A todos, um grande abraço!
Riko Assumpção






A personificação do bon vivant basco francês, faleceu 5 meses depois que meu contrato com a Quiksilver acabou. Saiu um dia de manhã para pescar com condições desfavoraveis e não voltou. Seu barco foi encontrado vazio na praia de Hossegor 2 horas depois dele ter partido.
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Henriquecer: Podcast do Riko Assumpção
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